DEBATE VIRTUAL: Covid-19 e os sem-abrigo. A quarentena sem casa.

Em tempos de pandemia global nunca como agora, Maio 2020, tivemos tantas saudades do futuro. Futuro esse que ainda se desconhece como será. No meio de muita incerteza, medo e navegação à vista uma coisa é certa: a vida das pessoas em situação de sem-abrigo tornou-se mais complicada. O Movimento Morar em Lisboa convidou-nos para o debate no dia 7 de Maio sobre esta problemáticas associada ao Covid-19.

Três perguntas mapearam esta conversa:

1- Qual é o diagnóstico que se pode fazer da situação social do sem-abrigo durante a crise pandémica? 2- Que estratégias foram accionadas para apoiar este grupo durante o estado de emergência? 3- Que outras medidas estratégicas e de longo prazo se podem tomar para intervir, prevenir e acompanhar o fenómeno dos sem-abrigo?

Com a participação de: Américo Nave (Crescer, Associação de Intervenção Comunitária), Ana Reis (RDA), Joana Frade e Gonçalo Henriques (AMI), Jorge Moreira (Stop Despejos), Maria Teresa Bispo (Pelouro da Educação e dos Direitos Sociais da CML), Rodrigo Barros (Associação dos Albergues Nocturnos de Lisboa) e Simone Frangella (ICS-ULisboa). O moderador será André Carmo (CICS.NOVA | Uévora).

Esperamos que de alguma forma tenhamos ajudado à discussão apesar dos nossos problemas áudio no inicio da nossa intervenção. Fica aqui em baixo o vídeo. O Morar em Lisboa produzirá posteriormente um texto. Que dê frutos e coordenadas são os nossos votos.

D'est'arte de Abrigo

Texto/ legenda do espelho:

Este espelho está aqui para nos lembrar que todos nós somos possíveis candidatos à condição de pessoa em situação de sem-abrigo. Há circunstancias, azares, escolhas e a vida de repente torna-se outra.

O seu reflexo serve para desmontar ideias feitas. Ideias perfeitas demais que nos iludem sobre o perfil de quem de um momento para o outro se encontra nesta situação. Pretende-se que este espelho sirva para nos fazer pensar e criar alguma empatia por todos e todas que já viveram, vivem e viverão em situações menos felizes.

No artigo 25º da Declaração Universal dos Direitos Humanos podemos ler: Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade

Questionemos as razões, feitas paisagens ideológicas, em que se articulam palavras como sucesso e falhanço. À falta de melhores deuses redescubramos a crença em novas e mais sofisticadas utopias. O planeta e o futuro agradecem.

D'est'arte de Abrigo é o nome de um pequeno núcleo expositivo criado em 2019 sobres as origens do Albergue. Articula-se entre o hall de entrada e o Salão Nobre. As molduras aí usadas foram na sua grande maioria oferecidas ou achadas nas ruas.

Esta exposição pretende não só preparar o terreno para futuras visitas guiadas mas também tentar criar um outro olhar sobre o albergue. Seja nos funcionários, nos residentes ou em quem nos visita. Um olhar inscrito na geografia dos afetos.

" D'est'arte" é uma expressão presente em muitos dos primeiros relatórios da casa. Uma expressão de finais do século XIX que se traduz por um " deste modo". O titulo tenta ser um diálogo entre o tempo da fundação da casa e a função que ainda tem, de abrigo.

Na fotografia hal de entrada com 5 peças . Ao centro um espelho também encontrado na rua e pintado com tinta dourada. Esta peça é uma interrogação/ provocação.

As fontes desta exposição: Torre do Tombo, Biblioteca Nacional de Portugal, Hemeroteca de Lisboa, Arquivo Municipal de Lisboa, Gabinete de Estudos Olisiponenses, Arquivo Histórico do Ginásio Clube Português alfarrabistas e consultas na internet.

A concepção, investigação e organização são da autoria de Rodrigo Barros .

  PARTITURAS PARA IR

A 22 de Junho de 2019 abrigámos um percurso performativo, Partituras para Ir.

Algures em Abril de 2019 apareceram no albergue duas raparigas. A Joana Braga e a Flora Paim. Chegaram até nós porque ouviram o som dos nossos galos. Procuravam espaços interiores ou como elas diziam logradouros para uma performance a ter lugar em Junho.

Teve-se o cuidado de ir informando os nossos residentes, antes e durante os ensaios, do que ia acontecer. O percurso com inicio no Bloco das Águas Livres ( 1ª Partitura) , passava pela tipografia abandonada da Papelaria Fernandes no Largo do Rato, acabando no Albergue ( 15ª Partitura) Pensou-se muito em como não ser demasiado invasivo na casa das pessoas a que damos guarida. A solução encontrada respondeu não só a esta inquietação como aos objetivos da caminhada performance:

Os caminhantes- publico vendados numa esquina perto da rua do albergue eram conduzidos até à horta. No hall de entrada da casa partem dois caminhos. Ambos dão acesso à horta. Um do lado esquerdo e outro do lado direito. Optou-se pelo acesso menos intrusivo, o da direita. O da esquerda é usado pelos nossos inquilinos e dá acesso as camaratas, refeitório e salas de convívio.

Chegados à horta os participantes eram convidados a sentarem-se nas cadeiras antigas do nosso Salão Nobre. Três minutos depois eram desvendados e na maior parte dos casos via-se o espanto, o desconcerto e o encanto. . Onde estavam, que lugar era este?

Além das pessoas envolvidas no projecto, voluntários e "cobaias" ( para os ensaios) entraram no albergue no dia das Partituras quase 50 participantes/ publico que iam entrando em grupos de quatro, três ou duas pessoas. O primeiro grupo chegou ao albergue por volta das 18,30. O ultimo chegou já de noite. Já não se via bem a horta.

Evitámos divulgar os ensaios para não estragar a surpresa.

Nas palavras de Marta Rema : Partituras para ir consistiu numa caminhada pela cidade de Lisboa com direção artística de Joana Braga e criada pela própria juntamente com Andresa Soares, Fernando Ramalho, Flora Paim e Tânia Moreira David. Faz parte do projeto Matéria para escavação futura, com curadoria das arquitetas e investigadoras Joana Braga e Ana Jara. Procurando "reconfigurar a experiência da cidade, escavar as violências que nela se inscrevem e expandir os seus imaginários em múltiplas leituras", o projeto iniciou-se com esta caminhada no eixo Águas Livres/São Bento, zona onde está localizado o Teatro do Bairro e prolongar-se-á ao longo de todo o ano.

Fica aqui o nosso obrigado por tudo o que de bom este percurso trouxe à casa.

Imagem de fundo da capa desta secção : Matéria Futura, Design de Ana Teresa Ascensão

Clicar no link em baixo para aceder a texto de Marta Rema sobre esta caminhada

Nas imagens em baixo alguns momentos dos ensaios e do dia 22 que aconteceram ao longo de quase duas semanas. Clicar nas imagens para as poder ver melhor.

Todas as fotografias são da fotógrafa Joana Linda. ( à exceção das primeiras sete/ sentido da esquerda para a direita)


Centro de Alojamento temporário Dom Luís

Em Agosto de 2018 abrimos mais um espaço. Trata-se de uma zona com mais 15 camas baptizada de Centro de Alojamento temporário Dom Luís, em homenagem ao fundador dos albergues, em 1881. Há 137 anos.

Depois de muito trabalho, obras, reuniões, dúvidas, protocolos e decisões, passamos a dar guarida, já não a 55, mas sim a 70 homens, em situação de sem-abrigo, que por uma razão, ou outra, perderam aquilo que entendemos por casa e que aqui encontram refúgio. Abriram-se janelas, puseram-se cortinas. Quatro camaratas que são um orgulho. Três com 4 camas e uma com três. Mais humanas. Uma sala com grandes e robustos roupeiros. Sala dos chuveiros separada da grande casa de banho onde até temos lava-pés.

Um agradecimento especial à vereação de 2017 no Pelouro dos Direitos Sociais da Câmara Municipal de Lisboa. Os regulamentos e estatutos do Albergue desde a sua fundação que não permitem, e bem, alienar o espaço para outros fins que não os de ordem solidária.

O Albergue foi, e continua a ser, uma novidade, um espaço inesperado em pleno coração da cidade de Lisboa. Há pessoas que nos visitam e que ficam surpreendidas . Já em 1884, podíamos ler sobre a casa: "os albergues dos pobres são palácios onde circula um bom ar e muita luz".

Temos consciência de que muito ainda há por fazer. E, por ser. Dar guarida a mais 15 pessoas é uma boa notícia, mas fica sempre um amargo de boca por sabermos da crescente procura e da igual necessidade destes espaços. Que belo futuro seria se, um dia, não fossem mais precisos nem albergues, prisões ou hospitais.

Clicar nas imagens para as ver melhor

    Projecto Um Bom Vizinho

Semeando futuros

O albergue prosseguindo os objetivos, há muito sonhados, de abertura à comunidade aderiu ao Projecto Um Bom Vizinho. Em Novembro de 2017 apresentou-se o projecto. Em 2018 arrancou esta ideia que já trouxe tanta e tão variada gente ao albergue. Novos e graúdos.

O Programa Municipal BIP/ZIP - Bairros e Zonas de Intervenção Prioritária promove a qualidade de vida da cidade através de parcerias locais entre cidadãos, juntas de freguesia, associações locais, colectividades ou organizações não-governamentais. Intervém e muito no campo do emprego e da formação junto de grupos sociais mais vulneráveis, como é o caso dos idosos ou dos jovens desempregados.

O projecto Um Bom Vizinho desenhado e promovido pela AMBA-Associação de Moradores do Bairro Alto foi um dos projectos candidatos aos fundos dos BIP ZIP. O albergue disponibilizou a horta, o espaço. Parceiros formais nesta aventura a já referida AMBA, o Centro de Formação Profissional para o Comércio e Afins, Girassol Solidário ( Associação de Apoio aos Doentes evacuados de Cabo Verde) e Fundação Aga Khan - Portugal e a Associação Portuguesa de Emprego Apoiado.

Nas imagens momentos variados da iniciativa no albergue. Clicar nas imagens para as ver melhor.

Artigo no jornal O Corvo sobre o projecto UM BOM VIZINHO. Clicar no link  em baixo.

HORTA

Criação em Outubro de 2009 de uma horta (700m2) em parceria com a SIC Esperança num terreno cheio de entulho. A casa não sendo geradora de postos de trabalho conseguiu tirar da rotina institucional dois dos nossos homens. Esta horta não só acabou por ter efeitos na dieta alimentar das refeições como traduz a urgência que são as hortas urbanas, nos tempos que correm de preocupante escassez. Além de ser criadora de novas relações entre o espaço e a comunidade envolvente.O projecto original se partiu do director e do animador foi através de amigos na área da agronomia que este se desenvolveu e que posteriormente se entregou à SIC Esperança. Criou-se também um galinheiro e um pateiro ( casa para patos) contíguo aos terrenos da horta. Além dos produtos horticulas foi-se dando corpo a algumas árvores de fruto: Cerejeira, macieiras, oliveira, ameixeiras, amoreira, tengerineira, peras abacates ( duas: macho & femea para dar fruto), limoeiro, nespereiras, laranjeiras, figueiras, videiras, pessegueiros, chuchus e kiwis. A dominar a horta um enorme loureiro.

Clicar no link aqui em baixo para aceder a reportagem sobre a horta


2011 - Participámos num dos painéis do Congresso Internacional Agricultura Urbana e Sustentabilidade que decorreu nos dias 7 e 8 de Abril no Auditório Municipal do Seixal. Aí apresentámos a horta e a nossa casa.

2012 - Convidaram-nos para a criação de um testemunho/ texto sobre a horta para o livro "Horticultura Social e Terapêutica" de Isabel Mourão e Miguel Brito. O lançamento foi a 10 de Abril de 2013 na feira AGRO no Pavilhão de Exposições de Braga e a 20 do mesmo mês na Feira Sã no Campo Pequeno em Lisboa.

Nocturnos

Nocturnos - O que começou pela tentativa de fazer uma peça de teatro acabou por derivar na criação de um  documentário: Nocturnos. Realização de  Aya Koretzky e de Rodrigo Barros. Uma produção da Andar Filmes com financiamento da RTP2. Um documentário de 30 minutos sobre o dia-a-dia de quatro residentes do albergue.

O Nocturnos não só esteve presente em vários festivais de cinema em Portugal e no estrangeiro como já passou algumas vezes na RTP2.

Carreira do Nocturnos

Antestreia no Salão Nobre do albergue. Os participantes e restantes residentes da casa  foram os primeiros a ver o documentário./ 2010

18º Curtas Vila do Conde International Film Festival,Vila do Conde, Portugal, 2010.

27º Kasseler Dokumentafilm und Videofest, Kassel, Alemanha, 2010.

14º Festival de Cinema Luso-Brasileiro de Santa Maria da Feira, Portugal, 2010.

Na Galeria Art River Bank em Tóquio, Japão, 2010

5ª edição do Panorama no Cinema São Jorge, Lisboa, Portugal 2011

XVIII edição dos Caminhos do Cinema Português, Coimbra, Portugal 2011

SHORTCUTZ LISBOA - Sessão #042 no Bar Bicaense, Lisboa, Portugal, 2011

- Com a presença de um dos participantes: Carlos Simões

XII Encontros de Viana no Teatro Municipal Sá de Miranda, Viana do Castelo, Portugal 2011

No evento "A Rua é Nossa...É de Todos Nós!" no MUDE ( Museu do Design), Lisboa, Portugal,2011

II Festival Córtex no Centro Cultural Olga Cadaval, Sintra, Portugal 2011

Na Associação EspalhaFitas em Abrantes na Casa do Povo de São Facundo, Portugal, 2011

11º Festival Ciné Martil em Martil, Marrocos 2011

Festival International de Films de Femmes de Créteil et Val du MArne, Créteil, França, 2011

POMAR


Chaveiro com chaves dos cacifos/ Foto de Vitor Cid
Chaveiro com chaves dos cacifos/ Foto de Vitor Cid

OMNIPOTENTIS 4in1

Desafiámos o artista plástico Thomas Mendonça a criar uma série de obras que dialogassem com o nosso Pomar. Surgiu a exposição OMNIPOTENTIS 4in1 que foi apresentada no espaço Ribeira Primeiros Sintomas em Lisboa. É um olhar outro  com alguma ironia e humor. Citando o autor: O resultado final é uma família de desenhos que viaja a anos-luz do seu ponto de partida comum - o Pomar. Segue daqui o nosso obrigado pela disponibilidade e entusiasmo com que se entregou ao desafio. O Thomas escolheu para titulo da sua exposição um elemento da história mais insólita do Pomar: uma história de ficção cientifica.

Nasci no planeta XKL 23 omnipotentis. Sou um chimita. Foi por acidente que a minha nave veio parar aqui à terra. Foi depois de passarmos por Andrómeda que os problemas começaram. (...) Sonho a cores. Não me perguntes sobre os meus sonhos. Não quero falar disso. O meu planeta era a minha casa. Era onde eu vivia. Agora estou aqui e não me deixam voltar. (pp.120 no Pomar)

Em baixo  link sobre o Thomas Mendonça e seis obras que integravam a OMNIPOTENTIS 4in1.

Em Maio de 2015 conseguimos finalmente dar corpo a um sonho antigo no albergue: A criação de um livro  que contasse algumas das histórias de pessoas que passaram pela nossa casa.  A partir de entrevistas realizadas pelo nosso animador  surgiu o Pomar.   Damos o que recebemos e recebemos o que damos. Este Pomar nasce da vontade de reinventar uma cartografia de afectos, ausências e imaginários. Só uma das histórias é de uma mulher. A Dona Maria, a cozinheira do albergue. Sem o contributo dos contadores este livro não existiria. Todos nós, desde pequenos, temos necessidade de contar das nossas dores e maravilhas. A tentativa da criação de " um acervo de coisas boas para fazer pensar" foi uma das coordenadas nesta viagem. Basta ouvir um bocadinho e à volta sucedem-se prodígios. O testemunho é uma casa de onde vimos todos e uma coordenada para o futuro.

Organizámos o lançamento em Abril de 2016 na Galeria Monumental em Lisboa com apresentação do professor Viriato Soromenho Marques. A actriz Luzia Paramés leu alguns exertos do livro.

Apresentámos também o nosso Pomar   em Macau ( Junho 2016) na Livraria Portuguesa. A apresentação coube ao jornalista e escritor Carlos Morais José que tendo também formação em antropologia foi por esta via que abordou o Pomar. 

Caso esteja interessado em adquirir o Pomar contacte-nos. Ou dirija-se às livrarias, em Lisboa,  Ana Cruz Alfarrabista, na Calçada do Combro nº 27-31 ou Tigre de Papel na Rua de Arroios 25, metro Anjos. 

Disponível também para consulta em várias bibliotecas de Norte a Sul do país

Alguns artigos  sobre o Pomar

https://expresso.sapo.pt/opiniao/opiniao_tolentino_mendonca/2015-10-01-Ate-agora--nao-houve-resposta

https://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/viriato-soromenho-marques/interior/um-pomar-na-praia-5112177.html

https://patriculaelementar.wordpress.com/2016/04/29/livro-de-presencas/

No lançamento do Pomar na Galeria Monumental a actriz Ana Margarida Leal acompanhada à guitarra pelo Tiago Bártolo interpretou, a nossso pedido, uma canção que julgámos apropriada ao pulsar deste livro: O BAIRRO DO AMOR. Obrigado a estes dois artistas e ao Jorge Palma por um dia se ter lembrado de ter criado esta maravilha. Eu sei que compreendes bem...

O MAIOR TESOURO DA TERRA

Criação de uma história infantil em Banda Desenhada/ 2014 

Em 2013 apareceu-nos no albergue um rapaz surdo da Guatemala. Sabíamos haver uma história de amor nas origens desta existência agora aqui em Portugal. Descobrimos ter formação de gráfico e que no seu país de origem fazia ilustrações para livros infantis.

O animador animado pela mestria e disponibilidade deste nosso inquilino escreveu uma história infantil brincando com elementos da Cigarra e da Formiga e com a falta de audição. Surgiu " O maior tesouro da Terra".

Aqui a história de uma cigarra surda que por não poder ouvir desafina é gozada por todas as outras cigarras. Resolve juntar-se às borboletas mas estas acham-na feia. As formigas dizem que não têm vagas e que não gostam de cigarras, que são preguiçosas. Encontra um besouro coxo a empurrar uma bola de estrume. Tornam-se amigos. O besouro ensina a cigarra a pintar. Resumidamente é esta a história. O maior tesouro da Terra é a amizade conclui-se.

Clicar nas imagens para melhor as ver

Diário breve de O Maior Tesouro da Terra

As sessões aconteceram num espaço tranquilo contíguo ao chamado Salão Nobre no albergue num segundo andar, longe das confusões e atropelos da sala do convívio em baixo. Foi um trabalho intenso de troca de ideias, escritas. Muitas coisas escritas. O nosso artista residente conseguia ler e perceber a língua portuguesa escrita.

Finalmente o animador lembrou-se de um espaço que ficava nos caminhos do desenhador durante o dia , no Largo do Intendente, a Casa Independente. Um espaço para estar e trabalhar. Telefonou-lhes e a resposta não poderia ser melhor. Disseram que tinham todo o gosto.  Foi um trabalho emocionante e o optimismo e generosidade do ilustrador eram desconcertantes e animavam o animador que recolheu da internet várias imagens, fotografias de besouro, borboletas e cigarras como material de apoio para os bonecos.

O nosso artista ia desenhando algumas cenas com canetas próprias e bloco de desenho, fornecidos pelo albergue, que eram posteriormente digitalizadas no scaner da portaria da casa, gravadas numa pen e passadas para o seu computador. A partir destes seus desenhos digitalizados começava a trabalhar. Via-se o seu domínio in loco de programas de desenho bastante sofisticados.

Trabalho concluído fomos de manhã, transportes e almoço a expensas do albergue, à Associação Portuguesa de Surdos mostrar-lhes a nossa história. Fomos muito bem recebidos por uma senhora que fazia parte de uma editora especializada na temática surdos a Surd'Universo. Apesar do agrado e encantamento que a nossa história parecia ter provocado  não chegámos a ter nenhuma resposta.

Um grupo de teatro ensaiava uma versão da Cigarra e da Formiga no Espaço Santiago Alquimista em Alfama. Levámos lá o Vitor a um dos ensaios Tivemos que escrever tudo o que estava a acontecer dada a sua surdez. Desafiámos o grupo para que ele fizesse a parte gráfica. Mas dada a precariedade e incerteza não quiseram, nas suas palavras, alimentar expectativas e ilusões.

Posteriormente,a pretexto da apresentação desta peça infantil na creche do Centro Social de Santos -o-Velho, versão da Luísa Ducla Soares, imprimimos um exemplar de " O Maior Tesoro da Terra" oferecendo-o á creche e levamos connosco o nosso gráfico para que fosse conhecido o seu trabalho. Ainda lá esteve uns tempos a trabalhar mas acabou por deixar este espaço.

Ainda batemos á porta de algumas editoras infantis mas também não tivemos resposta. Tentámos por varias formas dar visibilidade ao seu trabalho. Neste momento o nosso artista já abandonou o albergue. Esperamos que esteja bem.

Obrigado por tudo o que nos deu.

                                                      FESTIVAL TODOS 2013

Em Junho de 2013 a coreógrafa Madalena Vitorino bateu-nos à porta desafiando-nos a participar na edição desse ano do Festival Todos em Setembro. Perseguindo uma ideia de cuidado e atenção o projecto foi-se desenvolvendo. Criou-se um estúdio fotográfico no albergue criando-se 40 fotografias a preto e branco, da autoria de Luís Pavão, que foram o corpo de uma galeria ambulante do Festival. A inauguração foi a 12 de Setembro às 20 horas nas escadarias da Assembleia da Republica. Entretanto fomos recolhendo histórias sem nomes, anónimas, que foram entregues dentro de envelopes durante a exposição ao acaso, sem relação com o rosto. Reunimos 39 testemunhos, de uma ou duas páginas no máximo, abraçados todos por uma citação. Foi um trabalho em diálogo com os homens . Posteriormente a exposição transitou para o Arquivo Fotográfico de Lisboa onde as histórias desta vez estavam depositadas num baú antigo dentro dos envelopes. Estes textos foram também a fonte de trabalho de um colectivo de performers do Todos, os Artistas à procura de um abrigo. Todas as performances foram apresentadas no albergue antes do Festival.

MARGENS

Aulas de cenografia por João Calixto no albergue
Aulas de cenografia por João Calixto no albergue

Margens: Entre o Artístico e o Social / Um Projecto de Empatias

Entre o Artístico e o Social ' Um Projecto de Empatias é um projecto de inclusão social através das linguagens artísticas financiado pelo programa PARTIS (Práticas Artísticas para a Inclusão Social), da Fundação Calouste Gulbenkian, também apoiado pelo Gabinete Lisboa Encruzilhada de Mundos (GLEM) / Câmara Municipal de Lisboa, além de outras entidades públicas e privadas. Foi concebido pela Academia de Produtores Culturais / Festival TODOS em estreita colaboração com a Associação dos Albergues Nocturnos de Lisboa. Directa e indirectamente, lidou com cerca de quatro dezenas de participantes com idades compreendidas entre os 20 e os 50 anos oriundos de Angola, Marrocos, Portugal e Brasil, de entre outras proveniências geográficas. Em Fevereiro de 2014, o Margens ganhou forma e assumiu-se também como projecto-satélite do Festival TODOS. Durante quatro meses, em vários ateliês realizados a partir da Casa dos Mundos (Rua Nova da Piedade, 66, São Bento - Lisboa). Pretendia preparar-se o terreno para a experiência de criação através de um programa de formação intensivo em áreas tão diversas como o teatro, a dança, a música, o cinema, a escrita e a Língua Portuguesa. Após essa primeira fase, desde Maio de 2014, o projecto entrou numa segunda parte; tornou-se a necessário começar a aplicar na prática tudo aquilo que foi sendo trabalhado e desenvolvido ao longo do período de formação. Iniciou-se assim a trabalhar as competências específicas de cada um dos homens integrantes deste projecto.

Idas ao Teatro


Calçada do Combro acima para ir ver a peça "As Putas de Lisboa "de Ricardo Bargão no Teatro Estúdio Mário Viegas
Calçada do Combro acima para ir ver a peça "As Putas de Lisboa "de Ricardo Bargão no Teatro Estúdio Mário Viegas
Antes de entrarmos para ver a peça “ Condomínio de rua” no Teatro Nacional Dona Maria II
Antes de entrarmos para ver a peça “ Condomínio de rua” no Teatro Nacional Dona Maria II
Momento do espetáculo de Mind Reading “Eu sei que tu sabes que eu sei” por João Blumel no Teatro Estúdio Mário Viegas
Momento do espetáculo de Mind Reading “Eu sei que tu sabes que eu sei” por João Blumel no Teatro Estúdio Mário Viegas
Deram-nos um camarote para ver a  peça Cyrano de Bergerac no Teatro Nacional Dona Maria II
Deram-nos um camarote para ver a peça Cyrano de Bergerac no Teatro Nacional Dona Maria II

Estas idas ao teatro começaram algures em 2010/11 com bilhetes fornecidos pela extinta Companhia Teatral do Chiado/Teatro Estúdio Mário Viegas . Estas idas ao teatro tentam ir de encontro à nossa visão de que na vida de todos nós não basta pão e cobertores: precisamos de coisas belas ou que nos façam rir. As gargalhadas, sabe-se, libertam toxinas. A possibilidade de fruição de algo que normalmente na circunstancia de quem se encontra num albergue não costuma acontecer: O teatro. Procura-se também a criação  de subjetividade e saída das suas rotinas. Tenta-se promover igualmente a criação de terreno comum entre gente que muitas vezes só tem em comum o espaço que partilha à noite. A população do albergue é flutuante e nem sempre acontecem laços afectivos ou existem afinidades. Não há privacidade e as relações de vizinhança entre as camas e camaratas nem sempre são as melhores. (ex., uns ressonam, outros não tomam banho ou acendem a luz quando todos estão dormir, etc.). O ideal seria haver quartos com menos gente dentro. Na altura o Teatro Estúdio Mário Viegas tinha em cena uma peça há 14 anos com a casa sempre cheia: As Obras completas de Shakespeare em 90 minutos.
Aquela peça era ideal para alcançar o objectivo pretendido. Era uma peça extremamente inteligente e davam-se muito boas gargalhadas. Depois não ficava longe do albergue. Era viável. Faltava falar com a produção da companhia a ver se nos poderiam disponibilizar de forma gratuita alguns bilhetes. A companhia mostrou-se receptiva à ideia. Não nos cansamos de estar gratos a esta companhia pois foi com ela que nos apercebemos que era possível fazer isto. E começaram as idas ao teatro e a outros teatros: Teatro Nacional Dona Maria II, Tivoli, Barraca, Teatro do Bairro, Praga, Teatro Rápido, Cornucópia, Teatro São Luís. A todos estes teatro e companhias um grande obrigado pelas mil e uma noites boas. A ida faz-se a pé colina acima (Calçada do Combro) Acrescente-se que em dias de chuva e/ou frio é normal que depois do jantar que a instituição lhe proporciona, todos os dias às sete, tenham muito pouca disposição para voltar a sair para a rua. Mas o entusiasmo não poderia ser melhor e em cada uma destas saídas aprendemos todos algo sobre nós e os outros. Ao inicio costumava-se ir em grandes grupos de três, quatro ou cinco excursionistas. Com o tempo descobrimos ser mais proveitoso e calmo para toda a gente uma saída com menos gente. Costuma-se pagar um café, um copo de vinho ou uma cerveja. Alguns cigarros. Note-se que em alguns casos em que o consumo de álcool não é recomendável são os próprios logo a dizer que preferem beber um café ou uma coca -cola. Faz parte da saída ao teatro o caminho até lá. Conversa-se, partilha-se, visitam-se locais. 

Em Março de 2017 inaugurámos também as Idas ao Cinema numa cortesia do nosso vizinho Cinema Ideal com o filme "São Jorge" de Marco Martins.

A ARTE SAIU À RUA NUM DIA ASSIM

CINEMA NA CASA

Criação de uma sala de cinema

Já tivemos muito e bom cinema no albergue.

Isto, na altura, foi possível graças ao donativo de um leitor de DVD e uma televisão. Havia uma sala que servia para o efeito. Arranjaram-se cadeiras e sofás. Num primeiro tempo organizaram-se ciclos temáticos organizados pelo animador precedidos de alguma conversa sobre os filmes em discussão. Um dos ciclos a titulo de exemplo tinha o nome de " Os malucos da aldeia". Compunha-se dos filmes Stromboli do Rossellini, Chocolat de Lasse Hallström com a Juliette Binoche, Respiro de Emanuele Crialese e Dogville de Lars von Trier com a Nicole Kidman. Mais tarde a sala ficou à responsabilidade de um dos nossos residentes que procurava e escolhia os filmes anunciando-os todas as noites antes da hora do jantar. Ficou também responsável pela sua limpeza, segurança e manutenção. É um dos participantes do documentário Nocturnos acima referido. Se actualmente a sala deixou de funcionar não deixamos de acalentar a vontade de fazer regressar o cinema ao albergue. Posteriormente adquirimos um projector muito bom.  Bastava meter um dvd, não eram precisas colunas. A tela eram dois lençóis numa parede no chamado Salão Nobre do albergue. Organizaram-se ciclos de cinema em formato grande. Em 2010 a antestreia do documentário sobre a nossa casa, o Nocturnos, foi aqui com a presença dos seus dois autores e participantes. Os nossos residentes foram os primeiros a ver o documentário. Chegamos a ter em Outubro de 2011 o realizador Fernando Lopes na nossa casa acompanhado da então directora da Cinemateca , Maria João Seixas. Apresentavam o filme Belarmino. Também visionámos um documentário sobre trabalho sexual com a presença de um dos realizadores. Tratava-se do filme "Das 9 às 5" de Rodrigo Lacerda e Rita Alcaire. Notas finais para dizer que também passávamos filmes de super herois ou mais comerciais e que este projector entretanto avariou-se.

Exposição em 2008 na associação cultural Crew Hassan que, à época ficava na Rua Portas de Santo Antão. Esta associação encontra-se agora na Rua Andrade nº 8 ( ao Intendente-Lisboa)

Texto que acompanhava a exposição:

Todos nós, de acordo com Walter Benjamim, momentos antes de acordarmos experienciamos o Instante. Um breve momento em que não sabemos quem somos, onde estamos, como nos sentimos e o que temos que fazer. Só apenas após este instante começamos lentamente a "vestir" os papeis sociais que nos dizem por exemplo se somos pais, filhos, órfãos, empregados, desempregados, ricos, pobres ou sem-abrigo. Esta exposição pretende ser uma tradução desse instante e uma oportunidade para uma muito desejada reflexão sobre o que normalmente entendemos do mundo.

A ARTE SAIU À RUA NUM DIA ASSIM consistia numa manta de retalhos, de muitos e variados retalhos, como todos nós, criados por alguns dos nossos residentes. Pinturas a guache em suporte de papel e três números do nosso jornal " A COMUNIDADE" ( Textos, palavras e desenhos dos nossos jornalistas residentes em 2008 colados em cartolinas pretas que no albergue eram afixados nas paredes). A tela desta manta de retalhos, cozida com recurso a fitas colas de várias cores, era uma montra da Crew Hassan. Agradecemos a todos os envolvidos na realização desta proposta pela sua generosidade e duvidas. Como a exposição estava virada para a rua esta estava aberta 24 horas.




Expressão Plástica

Fica aqui o registo de alguns exemplos das subtis ou breves obras de arte pelas mãos e talentos de alguns dos nossos residentes em vários suportes. Barro, t-shirts, papel, cartão ou azulejo.  É trabalho de alquimia que em segredo se processa quase que nos apetece dizer. Pinturas no espaço do animador animado pela grande dose de capacidade de se disponibilizar e encantar. De Brincar? Estar inteiro será isto. Contra a seriedade e angústias dos dias jogar jogar. Obrigado a quem nos surpreende e se esquece das ideias feitas e nos vai brindando com estes pequenos milagres de cor. Sessões nada espetaculares, como todas as coisas que realmente contam,num oásis de sossego. Disponibilidade e generosidade. Momentos intensos de descoberta, progresso no ir fazendo, diálogo e algum riso à mistura. Como no jogo das nuvens vão se puxando formas cá para fora. Experimentando, arriscando  caminhos. Fruindo, estando. Uma das frases que ouvimos um dia foi esta: não se pode querer logo as maçãs sem passar primeiro pela semeadura.

FIGOS, BARRO E POESIA

Algures no ano de 2008 tínhamos no jardim da nossa casa este tronco de figueira. Lentamente foi-se cobrindo de peças em barro executadas pelos homens. Perderam-se os registos fotográficos da árvore mais cheia dessas peças. Não havia os telemóveis que há agora com câmara incorporada e nem sempre tínhamos uma máquina fotográfica à mão. Aqui ainda conseguimos ver uma máscara com algo das máscaras dos caretos. Os anos e a chuva foram desgastando o barro e o que restava desgastar da árvore que acabou por cair. Cresce agora aí uma nespereira  Um dos nossos residentes, poeta, escreveu na altura o seguinte:

Foste verdura, foste fruto

numa bela poda

fora de tempo e moda;

Assassinada por um bruto!

Agora és estandarte

do sem-abrigo

a arte

E...

Por mais que se queira,

continuarás figueira;

mas não darás

mais figo.

C.S.

AS PALAVRAS

A palavra tem um lugar importante na casa. A palavra dita, as palavras que se calam e não se dizem, as que são escritas e as outras as que parecem quase impossíveis ou sonhadas. Fomos ouvindo, sugerindo, tomando nota. Nalgumas situações deram-se explicações de português a quem não sabia ler nem escrever ou a quem falava outra língua. Não é o caso dos autores das palavras que se seguem.

P.S. Ciclar nas fotografias para as poder ler

Em 2013 reuniram-se cabazes personalizados, ricos por dentro e por fora para o Natal desse ano dos nossos homens. Foi uma tarefa gigante que tem um nome: a Sandy Graça e a sua loja La Brocante. Esta loja tornou-se numa autêntica oficina do Pai Natal. Pedíamos ingredientes "úteis" (produtos de higiene, roupa etc) e e "inúteis" como coisas belas, insólitas, deliciosas ( Chocolates, rebuçados, etc) ou cómicas. Foram muitas viagens e muita gente, tanta gente, a participar com ingredientes ou  com cabazes já feitos. Pedíamos também coisas para decorar e montar cabazes. A equipa do Festival Todos desse ano também nos ajudou. Um rapaz que estava no albergue nesse ano fez os cartões a guache para pormos em cada um dos cabazes. Todos únicos. Aqui na foto montagem que fizemos em homenagem à incansável, inspirada Sandy e ao seu fiel amigo, o Balthus, que aparece aqui à direita na fotografia dos cabazes com uma cesta na boca pronto a ajudar. Neste sentido não podemos também deixar de referir em outros anos a Capela do Rato em Lisboa, os muitos funcionários das extintas sapatarias Charles, a Irmandade de São Roque, os alunos e professores do ISCTE, à editora Alma Azul, gentes de Aveiro,  Almada e Abrantes e à TAP. Obrigado por tantos e tão bons momentos.

Clicar na foto em cima para a ver melhor