À escrita destas palavras , Abril 2018, já se passaram 137 anos desde que o albergue foi inaugurado. O primeiro livro de actas, que temos e faz parte do património da casa, tem inicio em 1881 e acaba na Acta 128 de 3 Dezembro de 1999 . Muita coisa se passou nestes anos. O regicídio de 1908 e a implantação da primeira Republica, duas Grandes Guerras Mundiais, o 25 de Abril de 1974. Muita coisa. Mas essencialmente, a sua origem, em finais do século XIX, é uma tradução de um sonho e muita inquietação. Com os olhos postos no futuro passamos a contar, de forma resumida é certo, a história das origens do albergue que faz parte da história de Portugal.

A Associação dos Albergues Nocturnos de Lisboa é uma instituição particular de solidariedade social (IPSS), fundada em 1881 pelo rei Dom Luís I . Já foi local de abrigo para "os operarios de fóra de Lisboa, que vieram à capital em procura de trabalho; os convalescentes de um e outro sexo, que dando baixas no hospital, e sem abrigo, ficaram no albergue por espaço de algumas noites; os que sahiam da cadeia, expiada a culpa; os viajantes pobres e os peregrinos andantes; os emigrantes e os vadios ; os velhos de um e outro sexo; os epilepticos; os doentes de fome e os inválidos de toda a casta" - Relatório II do albergue de 1883.

"Há largos annos que se erguiam geraes clamores contra o procedimento das estações ofliciaes, por causa d'esses desgraçados parias, que dormiam as noutes nas vias publicas, famintos e desconfortados. Entre essa gente, quantas vezes não eram vistos grandes infelizes, em quem a vagabundagem longe de ser vicio, era antes a triste expressão da miséria, a ultima palavra da desgraça e do infortúnio! Sem pão e sem abrigo, cahiam nas mãos da policia, que baralhando indifferente, desgraçados e viciosos, enviava todos ao calabouço, à cadeia,--a universidade da perdição ! Largas considerações faziam quotidianamente as folhas periódicas sobre o assumpto e... nada mais (...)

Accudiu então a el-rei a generosa ideia de prover a essa necessidade publica, tomando a iniciativa de fundar um asylo nocturno para abrigo d'esses desventurados. A auxiliar o nobilíssimo intuito de el-rei correram pressurosos e satisfeitos muitos cidadãos phillantropicos e de animo valedor. O dr. Luiz Jardim foi um dos primeiros, senão o primeiro, a responder ao chamamento do monarcha. Acceite o seu concurso o dr. Luiz Jardim desentranhou-se para logo em esforços d'uma dedicação extraordinária.

Redigia com admirável critério os estatutos, concitava e animava os amigos a que se associassem a tão caridoso empenho, punha, em summa, os recursos da sua riqueza e a luz da sua poderosa intelligencia ao serviço da humanitária tarefa. Ninguém, mais do que elle, trabalhou para a fundação dos Albergues Nocturnos. (...)Tendo merecido a honra de ser escolhido para secretario de tão piedosa instituição, redobrou de esforços e de boa vontade. N'esta qualidade redigiu e apresentou relatórios, que causaram viva sensação, pois que ao esplendor d'uma linguagem primorosa e castiça, reuniam a elevação varonil dos conceitos e a doutrina do mais puro altruísmo.- LIVRO DE OURO ANNO I volume 1 PUBLICAÇÃO PARA PORTUGAL E BRAZIL( Outubro de 1885 /  p.49/ Biblioteca Nacional)

"O albergue fundado a 13 de Novembro de 1881 " tal fama grangeou em Portugal e na Europa, que a pouco trecho se fundaram no paiz mais tres albergues nocturnos, filhos da iniciativa particular; e de outras nações vieram os philanthropos a pedir informes para organizar casas de semelhança à nossa." Relatório VIII de 1891

"No dia 26 de junho d'este anno, reuniram-se no Ministério do Reino os primeiros associados, que tomaram o nome de fundadores, presidindo el-rei D. I.uiz, secretariado pelo visconde de Ribeiro da Silva e o sr. José Ribeiro da Cunha."

"El-rei deu por constituida e installada a associação, que tomou o titulo de Associação dos Albergues Nocturnos, conforme se lê nos estatutos. Nomearam-se os membros da assembléa geral e d'outros cargos, ficando el-rei D. Luiz considerado presidente perpetuo, cargo que actualmente está confiado a S. M. el-rei senhor D. Carlos. O fim dos albergues nocturnos era dar asylo gratuito e temporário durante a noite a toda a pessoa necessitada (a quem casualmente não tenha domicilio, seja qual o sexo a que pertença, o paiz d'onde venha, a religião que professe ; promover remédio prompto, segundo os recursos de que puder dispor, ás necessidades mais urgentes dos que lhe pedirem abrigo nos termos do respectivo regulamento."

O 1º albergue foi installado no Palacio Manique, no largo do Intendente, sendo inaugurado em 13 de Novembro de 1881, pelas 2 horas da tarde em sessão solene, a ele assistiram Suas Magestades e Altezas, o Presidente do conselho, o ministério, o ministro do Brasil, o arcebispo de Mytelene, o commandante das guardas municipaes, os primeiros funcionários eclesiásticos, civis e militares, a câmara municipal, a igreja,os associados fundadores e todas as pessoas que directa ou indirectamente haviam concorrido para a instituição d'esta obra caritativa.

O Largo do Intendente estava todo adornado com bandeiras e galhardetes, pendentes de elegantes mastros, postos em circulo; tocaram as bandas da guarda municipal e de infantaria , e diferentes philarmonicas A sessão foi presidida por el-rei D. Luiz, servindo de secretários o sr. conde de Valenças, Francisco Augusto Mendes Monteiro. As salas do Palacio Manique são espaçosas e muito arejadas tendo todas as condições requeridas para um estabelecimento onde a accumulação de pessoas póde prejudicar a salubridade. As bandas tocaram então o hymno dos Albergues Nocturnos, escripto por Angelo Frondoni. (...) Diccionario Historico, Choreographico, Heraldico, Biographico, Bibliographico, Nunismatico e Artistico de Esteves Pereira & Guilherme Rodrigues ( Lisboa 1904)

(...) " el rei D. Luiz, julgando opportuno o ensejo, dignou-se de chamar ao Paço da Ajuda o secretario d'esta direcção, e lhe contou o plano de desdobrar o albergue em uma escola de aprendizagem, destinada à infancia desvalida, da qual já haviamos, por vezes referido- vidas e desgraças. (...)

E, em 1886, apresentámos assim, correspondendo assim à regia iniciativa, o traçado do novo instituto; que, mesmo em sua mal alinhavada fórma, logrou approvação do illustre presidente. " (...) Vinha a faltar-nos a receita, pois só pela renda da casa no Largo do Intendente, dispendiamos por anno um conto e trezentos mil réis.

Conclusão, portanto, que a feitura do albergue-escola só a podiamos realisar com vantagem economica, transferidos que fossem nossos pobres para o edificio da Rua da Cruz, e applicando-se então o capital correspondente da dita renda ao melhoramento já citado. " Relatório VIII de 1891

"Em assembléa geral de 1888 foi votada a creação d'uma escola de ensino primário, construindo-se um edifício proprio, que se fornecesse de mobiliário, de material de ensino, procurando-se um professor auctorisado. A escola deveria ter o caracter de semi-internato, realisando-se d'este modo o plano do monarcha fundador, que era os alumnos conservarem-se todo o dia no albergue, para assim se livrarem da vida da rua, cujos etfeitos são sempre perniciosos, entrando os menores ás 8 horas da manhã, jantando ao meio dia, e sahindo proximo da noite. Determinou-se então receber-se só 40 creanças de 8 a 12 annos, reconhecidamente pobres, preferindo-se os filhos de operários inutilisados no trabalho. Em 1890 mudou-se o albergue do largo do Intendente para a rua da Cruz dos Poyaes para edifício proprio, propriedade comprada pela associação, e onde se conserva actualmente."Diccionario Historico, Choreographico, Heraldico, Biographico, Bibliographico, Nunismatico e Artistico" de Esteves Pereira & Guilherme Rodrigues ( Lisboa 1904)

Em dois artigos publicados na década de 80 do século XX nos extintos jornal Comercio do Porto e Capital, sugere-se que parte das pedras da casa do albergue, onde estamos, desde 1890 pelo menos, na Rua da Cruz dos Poiais, vieram das sobras do Convento de Mafra. Esta informação do Comercio do Porto articula-se com um texto de Appio Sottomayor, jornalista e olisipógrafo, publicado no jornal A Capital. Aí, na sua crónica numero 928  de O Poço da Cidade intitulada Fidalgos e Plebeus  refere: "Mais para baixo , para o lado dos Poiais propriamente ditos , fica outra casa de excelente aspecto; foi propriedade dos descendentes do famoso arquitecto Ludovice, construtor de Mafra. Por estranha ironia do destino, é neste edifício que se abraçam a fidalguia e os mais necessitados: no mesmo local onde viveram- ao que se supõe desafogadamente- os parentes do artista preferido de D. João V, juntam-se hoje para comer e dormir os sem-casa desta cidade- é o Albergue Nocturno de Lisboa."

Não sabemos se o ultimo habitante do edifício onde nos encontramos hoje, desde 1890, antes de ser albergue , na Rua da Cruz dos Poiais, era da família destes descendentes do arquitecto do Convento de Mafra. No livro Lisboa d'outros tempos editado pela Livraria Antonio Maria Pereira/ 1899 podemos ler: João Fletcher mudou a sua residência para a rua da Cruz dos Poyaes, onde actualmente se acha o Albergue Nocturno, e foi então que a Assembléa Lisbonense o substituiu no palacio do Manteigueiro.

Nos dias de hoje até meados de Julho 2018 dávamos guarida a 55 homens. Em Agosto do mesmo ano abrimos mais um espaço. Trata-se de uma zona com mais 15 camas baptizada de Centro de Alojamento temporário Dom Luís, em homenagem ao fundador dos albergues. ( consultar secção Galeria aqui no site )

Depois de muito trabalho, obras, reuniões, dúvidas, protocolos e decisões, passámos a dar guarida, já não a 55, mas sim a 70 homens (idades entre os 20 e os 60 anos ) , em situação de sem-abrigo, que por uma razão, ou outra, perderam aquilo que entendemos por casa e que aqui encontram refúgio.

O acolhimento é das 18 horas às 8 da manhã do dia seguinte. Dormida, higiene, jantar e pequeno-almoço são alguns dos serviços prestados na nossa casa. Há ideias e projectos que se debatem com a falta de dinheiro e vontade.

O telhado antigo sofre contínuas infiltrações de água que apodrecem paredes igualmente antigas e chãos construídos numa época antes do betão. Idealmente e de forma a tornar a casa mais auto sustentável haveria painéis solares e reservatórios para o reaproveitamento das águas da chuva. Tarifários luz, água e gás são iguais aos de um hotel de 5 estrelas. São muitas as razões, muitas as histórias que se vão adivinhando em cada um dos semblantes destes homens que aqui procuram guarida. Conseguir parceiros, dar visibilidade aos nossos residentes e à nossa casa é um dos nossos objectivos. Objectivo nem sempre fácil de alcançar. As coisas nunca são fáceis e as comparações nem sempre são traduções fidedignas da(s) realidade (s).

Inauguração do albergue, a 13 de Novembro de 1881, no jornal Diário de Noticias.

Este jornal, fundado em Dezembro de 1864, custava 10 réis. Tinha uma impressionante e invejável tiragem de 26.000 exemplares. Na edição do mesmo jornal no dia seguinte, a 14, temos referencia a uma presença considerável de jornais: alguns representantes da imprensa de Lisboa e Porto, entre os quaes representantes do Jornal do Commercio, Commercio de Portugal, Gazeta da Noite, Crença Liberal, Commercio do Porto, Jornal do Porto, Diario de Noticias, etc.

Albergues Nocturnos de Lisboa

O largo do Intendente está armado em festa com postes, trophéus e bandeiras. No antigo palácio do celebre intendente geral da policia, que deu o nome ao largo e se fixou n'uma epcocha por sua omnipotente energia e seu poder assombroso, lê-se uma taboleta com o modesto titulo: Albergues Nocturnos de Lisboa.

Entrando-se no palacio pelo lado do jardim, vê-se n'uma sala de recepção, atapetada, do 1º andar, armado um vistoso docel de damasco com duas cadeiras de espaldar sobre o estrado. É ali que há de hoje realisar-se a solemnidade da inauguração do primeiro albergue nocturno, fundado pela associação formada por el-rei D. Luiz, e a que assistiu o real fundador e a D. rainha sua esposa.

A associação dos asylos nocturnos alugou esse palacio, que ainda conserva a opulenta livraria do intendente, estabeleceu lá o seu primeiro asylo para dormida provisorias das pessoas que na cidade forem encontradas de noite sem terem onde dormir, e cujo numero, devemos esperar que não chegue nunca a preencher inteiramente o das camas 65, que o novo albergue tem para recebel-as, e que poderão talvez ainda servir para uma variante do caracter com que se vae abrir o novo albergue, fructo da philantropia de el-rei e dos cidadãos que o coadjuvaram n'esta obra meritoria, que se aproxima muito da missão dos armen-hauser, de Viena de Austria, onde são recolhidas as familias pobres que não têem onde morar.

O palacio divide-se em tres pavimentos, não contando a sobreloja onde está a admnistração normal do bairro, e a cada pavimento corresponde uma das seguintes divisões: Homens, mulheres e creanças. No primeiro são tres as camaratas nas tres salas principaes do palacio com 28 camas. As restantes camas distribuem-se pelas salas e quartos dos outros dois pavimentos, havendo no superior 5 quartos reservados com oito camas, para albergados doentes. Em cada uma das divisões há o seguinte: casa de banho para lavagens dos albergados, logo que dão entrada no estabelecimento; consta cada casa de duas tinas com agua encanada quente e fria; casa de vestir, onde recebem uma camisa e um barrete de dormir; lavatorio com agua encanada e valvula de despejo e latrina inodora.

Um socio ofereceu espelhos, e pentes para os lavatorios. A cada cama corresponde uma banca de cabeceira, uma bacia de noite, e um pucaro de folha para agua. Os leitos teem as letras AAN. Ha uma cozinha, copa e dispensa para qualquer soccorro extraordinário que seja preciso dar de comida ou caldo a qualquer albergado. As camaratas são vigiadas e os albergados servidos por dois serventes, e duas serventes, e tudo superiormente dirigido por um responsavel ou prefeito, que é o sr. Antonio Manuel Vilella, que este empregado no asylo Maria Pia.

Está tudo n'um asseio irreprehensivel; a casa é impregnada de luz, e a capacidade respiravel é muito superior à exigida para uma população de 100 ou 150 pessoas. Tem ventiladores em todas as janellas. A escripturacção do albergue consta dos seguintes livros; 1º inventario geral, 2º receita e despesa, 3º conta de deposito em c/ corrente, 4º fundo capitalisado, 5º conta geral da receita pelos donativos dos socios fundadores, e d'aquelles que posteriormente têem concorrido e de outras procedencias, 6º livro dos visitantes, 7º movimento dos albergados, 8º registro dos empregados, 9º registro de ordens, 10º conta corrente com os socios, 11º casa de arrecadação, copiadores e índices e outros livros de menor importancia.

A direcção é composta dos srs. Francisco Ayres Mendes Monteiro, presidente; Luis Jardim, secretario; José Pereira Soares, Thesoreiro; Visconde de Rio Vez, José da Costa Pedreira, Polycarpo Jozé Lopes dos Anjos e João Alfredo Dias. As despesas da inauguração, que se realisa hoje às duas horas são feitas às expensas dos srs. directores.

10 de Março 1884/ Teatro São Carlos

Clicar nas imagens para melhor as ver.

Esta gala foi inicialmente pensada para sábado 8 de Março de 1884. Temos notícia desta data na edição de 21 de Fevereiro de 1884 do Diario Ilustrado. Aí podemos ler: O conselho administrativo dos albergues nocturnos de Lisboa, a quem foi generosamente cedido o real theatro de S. Carlos, para ahi se levar a effeito, a 8 de Março próximo, um beneficio em prol dos pobres, não podendo satisfazer do grande numero de pedidos que lhe tem dirigido, para a obtenção de camarotes resolveu para não desconsiderar ninguém, que os mesmos camarotes fossem arrematados em licitação verbal, que deve realizar-se na sexta feira 22 do corrente pelo meio dia, no salão do Theatro da Trindade. Lisboa, 18 de Fevereiro de 1884

Acabou por se realizar não a 8 de março mas dois dias depois depois, a 10 de Março de 1884. Podemos ler no Diario Ilustrado deste dia o programa. Segue -se transcrição do mesmo:

Beneficio a favor dos Albergues nocturnos de Lisboa

Realisa-se hoje, às 8 horas da noite, no teatro de S. Carlos, o beneficio a favor dos Albergues nocturnos de Lisboa.

Deve ser uma festa esplendida.

O programa é o seguinte:

PRIMEIRA PARTE

1º - Abertura da opera " Guilherme Tell" , pela orchestra; Rossini

2º - Aria da opera " Ruy Blas" pelo sr. Ortisi; Marchetti.

3º- "Deuxiéme moreceau de salon" , solo de rebeca pelo auctor; Ribas.

4º- Aria da opera " Les noces de Figaro", pela sr.ª Ritter; Mozart

5º- "Povere rondinelle", romanza pelo sr. Rapp; Scontrino.

6º- " Scherzo e final do 1º concerto para piano", dedicado a Sua Magestade o Senhor D. Luiz, e executado pelo auctor; Alfredo Napoleão.

7º- " Aimons", romanza pela sr.ª Donadio ; Rotoli.

8º- Duetto da opera " D. João" pela sr.ª Borghi Mamo e o sr. Devoyod; Mozart.

SEGUNDA PARTE

1º Intermedio da opera " Mignon", pela orchestra; Ambroise Thomas.

2º - " No escuro", poesia recitada pelo sr. E. Brasão; Thomaz Ribeiro.

3º- " In modo de una marcia e scherzo do quintetto" , op. 44, pelos srs. Nicolau Ribas, Moreira de Sá, Marques Pinto, Cyraco Cardoso e Alfredo Napoleão; Schumann.

4º- " Joia", poesia recitada pelo sr. João Rosa; Fernando Caldeira,

5º- " 1º tempo do concerto de violinos", pelo sr. Moreira de Sá; Mendelssohn.

6º- " O albergado Albergaria", pelo sr. F. A.S. Taborda; E. Garrido.

7º- " Serenata" para quatro rebecas e piano, pelos srs. Nicolau Ribas, Moreira de Sá, Marques Pinto, Cyriaco Cardoso e Alfredo Napoleão; Cyriaco Cardoso

TERCEIRA PARTE

1º- " Preludio do 3º acto da opera " Lohengrin" pela orchestra; Wagner.

2º- Bolero da opera" Vesperas sicilianas" pela sr.ª Donadio; Verdi.

3º- (a) " Air de chalet", romanza pelo sr. Devoyod; Adam. - (b) " la charité", idem; Faure.

4º- " Dopo" , romanza pela sra. Borghi Mamo; Tosti.

5º- " Cantos populares", variações de rebeca pelo auctor; Marques Pinto.

6º- Aria da opera " Estrela do Norte", pelo sr. Rapp; Meyerbeer.

7º- Romanza da opera " Othelo" pela sr.ª Pozzoni; Rossini.

8º- Terceto da opera " Guilherme Tell", pelos srs. Ortisi, Devoyod e Rapp; Rossini.

9º- Pezzicato do baile " Silvia", pela orchestra; Delibes.

Regentes da orchestra e acompanhadores ao piano os maestros srs. Dalmau e Pontecchi.


Inauguração do Grande Colyseu depois Colyseu dos Recreios a 27 de Maio de 1882 com um sarau gymnastico-equestre pelo Real Gymnasio Club Portuguez em beneficio dos Albergues Nocturnos

Onde hoje é a actual Estação Ferroviária do Rossio havia um Coliseu anterior ao que existe hoje nas Portas de Santo Antão em Lisboa. Este novo espaço na cena lisboeta de finais do século XIX causou alguma polémica. Um teatro ou um circo? O autor e mentor do projecto era o palhaço Henry Witthtoyne. "A inauguração do Grande Colyseu depois Colyseu dos Recreios foi a 27 de Maio de 1882 com um sarau gymnastico-equestre pelo Real Gymnasio Club Portuguez em beneficio dos Albergues Nocturnos. "

Esta informação articula-se com o que vem escrito no capitulo V do segundo relatório do albergue 1882/ 1883:

O concelho administrativo, sempre solicito em augmentar a receita, conseguiu realisar em favor da nossa casa de beneficencia dois beneficios,- o primeiro no real theatro de S. Carlos, o qual, captivo de despezas, produziu réis 991$400; o segundo no circo dos Recreios, em que o rendimento liquido foi de réis 980$775.

Este novo espaço teve vida curta já que em virtude da construção da estação acabou por ser expropriado: O ultimo espetáculo desta casa foi a 9 de Julho de 1887. Uma semana depois já estava demolido.

Dois dias depois no Diario Ilustrado de 29 de Maio de 1882 temos descrição deste dia:

Inauguração do Coliseu dos Recreios

Era esperada com ansiedade esta festa que reunia, por assim dizer, tres cousas notaveis: a inauguração de uma casa de espectaculos, a apresentação de um distincto grupo de amadores gynmnastas e a applicação do produto das entradas para uma das instituições mais sympathicas que se tem creado. Pela nossa parte qualquer dos casos nos fascinava e por isso era grande o desejo que nutriamos em assistir a festa de ante-hontem.

A direcção do Real Gymnasio Club Portuguez offereceu-nos, muito amavelmente, um bilhete de admissão e às 8 horas da noite, atravessando por entre os differentes grupos de curiosos que se reuniam á entrada ao Coliseu dos Recreios, subimos a escada que conduz ao salão. O salão a que nos referimos e cujas janellas deitam para o largo do passeio, é vastissimo, alegre, decorado com simplicidade, mas em extremo confortavel.

Segue-se-lhe a loja de bebidas, uma sala excellentemente disposta, cheia de ar e de luz, onde não é facil acotovellar-se a gente, o que é vulgaríssimo nos restaurantes dos nossos theatros, sucedendo frequentes vezes uns desastres mais ou menos comicos que todos conhecem. Do salão de entrada uma larga escada conduz ao Coliseu. Sem nos querermos alargar em detalhes e sendo o nosso unico fim relatar a impressão, se pode dizer, de momentos diremos, comtudo, que o aspecto geral do circo, talvez porque o velho e hoje extincto circo Price nos esteja ainda bem patente na memoria, não é completamente animado, como parece convir a este genero de casas de espectaculos.

A luz, por exemplo, pareceu-nos em pouca quantidade e mal distribuida. O gosto decorativo agradou-nos bastante; senão no todo pelo menos em parte, tal como a architectura e pintura dos arcos e tecto entre aquelles e os camarotes, os quaes resentindo-se igualmente de falta de luz não era facil examinal-os. E não ficariam estes muito distantes da arena? Assim nos parece.

Em compensação os lugares de fauteile e cadeiras são magnificos e muito commodos. Repetimos: escrevemos o resultado de uma impressão rapida e não o de um exame a que a nossa incompetencia não daria occasião. A obra cremos não está ainda completa e a noite de hotem daria logar a um ensaio muito para aproveitar. Perto das 9 horas chegando suas magestades ao camarote e sendo executado o hymno real, deu-se começo ao espectaculo.

Os cavalheiros que compunham a funcção d'aquella noite, uma das melhores e de mais enthusiasmo a que temos assistido eram os srs. João Xafredo, J. Gomes da Costa, Julio Simas, Luiz Villar, Henrique Macieira, L. Furtado Coelho, João Lezameta, David Araujo, Antonio Infante, F. P. e José Martins de Queiroz. A primeira parte do espectaculo era assim dividida: Grupos de escadas, em arte se apresentaram os srs. João Xafredo, J. Gomes da Costa, Julio Simas, Luiz Villar, Henrique Macieira e L. Furtado Coelho. Foram applaudidos com a devida justiça sendo muito para notar a precisão com que trabalharam. Seguiram-se os srs. João Bravo, Mendo Ornellas, Julio Simas, F. P. e Alberto Martins executando diversos exercicios de torniquete (barra fixa) com admiravel agilidade, tornando-se notavel o sr. Julio Simas pela sua desenvolvida muscolatura. De uma das vezes este sr. executou um salto mortal em que recebeu muitos applausos. Ao terminarem estes exercidos todo o grupo foi bastante victoriado tendo repetidas chamadas.

O duplo trapesio difficil trabalho exbibido pelos srs. Luiz Villar e Henrique Macieira, foi muito admirado colhendo estes srs. grande numero de applausos. Depois apresentou-se o sr. Antonio Infante. Duas palavras: ha muito que ouviamos fallar n'este sympathico rapaz, elogiando o seu merito de equilibrista distintissimo; nutriamos, pois, o desejo ardente de o conhecer e por tanto de o admirar tambem. Era um rival de Alvantee, não vinha disputar-lhe a competencia, vinha mostrar ao publico o muito que valia, porque, é mister dizer, que Antonio Infante é mais do que um artista, é uma notabilidade! A sua entrada foi saudada com brilhante enthusiasmo, a que elle correspondia com o mais delicado reconhecimento. Subiu ao trapesio com admiravel destreza. Depois, sem a mais pequena vacilação, começou a executar differentes trabalhos; com extranho sangue frio, arrancando em cada um estrepitosos bravos, sobretudo nos ultimos com a escada e cadeira. Admiravel. Quando terminou, o effeito do circo era surprehendente. Do todos os lados os bravos e as palmas, as flores e os lenços a cruzarem-se no ar marcavam um dos mais bellos triumphos que temos visto !

Apresentou-se depois o sr. Duarte Holbeche, executando differentes exercicios de força. O sr. Holbeche, que, como os seus collegas, se apresentou distinctamente, foi tambem muito applaudido. Mostrou ter largo exercicio de força e conhecer a fundo todas as regras da gymnastica. Em seguida montando um cavallo em alta escola, appareceu o sr. Jose Martins de Queiroz. Este senhor que ja tivemos occasião de applaudir em uma noite no velho circo de Price, havia-nos deixado uma agradavel recordação de picador habilissimo. O cavallo em que montava, o celebre e bem conhecido Beldemonio, está perfeitamente amestrado em alta escola. O publico fez inteira justiça ao sr. Martins Queiroz anciando pela segunda parte do espectaculo em que o sr. Queiroz devia apresentar um outro animal, o Dragão.

No intervallo os distinctos amadores receberam de perto, em significativos abraços e apertos de mãos, as mais entranhadas demonstrações de apreço pelo seu merito. Ouvia-se por toda a parta ecoar o merecido elogio aos applaudidos amadores. A segunda parte do espectaculo foi começada pelos srs. Mendo Ornellas e João Xafredo, n'um trabalho de trapesios, voos magnificamente executado e muito applaudido. Depois apresentaram-se os srs. Frederico de Avellar, João Bravo, Julio Simas, J. Gomes da Costa e Luiz Villar, executando um bonito trabalho de argolas, com admiravel correcção. Tiveram repetidas chamadas e applausos.

Em seguida, voltou novamente á arena o sr. José Martins de Queiroz. Foi saudado na sua entrada com o mais vivo enthusiasmo. Montava o cavallo Dragão, um lindo animal, intelligentissimo e amestrado pelo ar. Queiroz com indubitavel mestria. Sublime! Tanto quanto podessemos dizer aqui para traduzir a nossa admiração seria pouco. O sr. Queiroz foi chamado muitas vezes e os vivas e os applausos não tinham conto. Offerecia um aspecto lindo, então, o circo. Na arena, rodeavam o sr. Queiroz todos os seus collegas d'aquella agradavel diversão, ajudando-o a sobraçar a profusão de bouquets e ramos que lhe foram offerecidos; o publico, de pé, descobria-se enthusiasmadissimo, festejando o notavel equitador. Repetimos: um delirio!

As parallelas aereas, trabalho executado pelos srs. Francisco Xafredo e José Lezameta foi mais uma nova colheita de applausos. Seguiram-se os srs. João Xafredo, Alberto Martins, Henrique Macieira e L. Furtado Coelho, subindo a um Quadrupulo trapesio onde trabalharam com o mais brilhante exito, executando com muita precisão alguns trabalhos bastante arrojados. Muito applandidos. Terminou o espectaculo com a Corda Indiana, pelos srs. Antonio Infante e David Araujo. De novo colheu o sr. Antonio Infante a justa apreciação do muito que vale, sendo egualmente muito applaudido o sr. David Araujo. O espectaculo terminou depois da uma hora, tocando a banda o hymno real. Suas magestades applaudiram muito todos os sympathicos amadores, que alcançaram mais um brilhante triumpho em a noite de ante-hontem. Foram-lhe offerecidas muitas flores e ramos entre os quaes se destacavam uns lindissimos bouquets de flores naturaes enfeitados com bonitas fitas, trabalho feito em casa do sr. Eduardo Pexe.

O espectaculo era offerecido a sua magestade el-rei D. Luiz, pelo Real Gymnasio Club Portuguez, em beneficio dos Albergues Nocturnos de Lisboa. Raro teria applicação mais digna de louvor. Os Albergues Nocturnos, creados para acudir aos desvalidos, aos verdadeiros desgraçados que nem podem acolher-se nas sombras da noite sob um tecto que lhes abrigue os gemidos da sua triste miseria, pertencem ao numero das instituições de caridade mais dignas de alto respeito. Sua magestade el-rei consagra-lhe entranhado amor. A festa de ante-hontem ficará, pois, registada como uma das melhores a que temos concorrido e o Coliseu dos Recreios, recebendo tão solemne baptismo, terá de futuro largas prosperidades.


FONTES : Torre do Tombo, Biblioteca Nacional de Portugal, Hemeroteca de Lisboa,  Arquivo Municipal de Lisboa, Gabinete de Estudos Olisiponenses e Ginásio Clube Português.

O Albergue em 1913


Hall de entrada do albergue
Hall de entrada do albergue
Sala do convívio . Em cima do lado esquerdo um dos sinos a que o documento de 1913, aqui à direita, faz referência
Sala do convívio . Em cima do lado esquerdo um dos sinos a que o documento de 1913, aqui à direita, faz referência
Esta mesa chegou ao albergue em Setembro de 2011 depois de vendermos 300 rifas para a sua aquisição. Foi uma aposta ganha e é muito utilizada.
Esta mesa chegou ao albergue em Setembro de 2011 depois de vendermos 300 rifas para a sua aquisição. Foi uma aposta ganha e é muito utilizada.
2008/ Cartaz exposição em Taiwan
2008/ Cartaz exposição em Taiwan

Artigo  de Maio de 2018 sobre o albergue com enfoque das relações da casa com Italia em jornal online italiano, Il Faro di Roma. Aqui na versão em português. Clicar no link em baixo para aceder.

Num documento de 1913 ( 32 anos após a criação da casa), Regulamento Interno dos Albergues Nocturnos de Lisboa, impresso na Escola Tipográfica das Oficinas de São José podemos ler no 1º artigo do capítulo I " Admissão dos Albergados" palavras que aos olhos de hoje parecem algo visionárias para a época em que foram escritas: "Sendo o fim da Associação dar asilo gratuito e temporário a qualquer pessoa necessitada, seja qual o sexo a que pertença, o pais donde transite, e a religião que professe, os concorrentes para serem admitidos no Albergue enviarão ao Conselho Administrativo os seus requerimentos feitos em papel comum, instruídos com os seguintes documentos: (...)

Nas alíneas a seguir deste 1º artigo começa-se a delinear quem podia ou não recorrer ao albergue " 2º Atestado médico em que se prove que o concorrente não sofre de moléstia contagiosa;" acabando por enunciar no artigo final que só serão admitidos "indigentes que não sofram de doença contagiosa ou alienação mental."

Para onde iriam então todos aqueles que padeciam de "doença contagiosa ou alienação mental"? Provavelmente, para outro tipo de instituições pensadas para lidar, de acordo com o pensamento da época, como os extintos manicómios. Retomando a incursão pelo "Regulamento Interno dos Albergues Nocturnos de Lisboa"              

Chegamos ao segundo capítulo " regímen interno e disciplinar dos albergados" onde somos informados que a instituição tinha algo de estabelecimento prisional, na alínea única do artigo segundo " Aos albergados que o merecerem, poderá ser permitido que saiam a passeio.". No artigo 3º somos informados da existência de um uniforme " A nenhum asilado é permitido sair do albergue, senão às horas que lhe forem marcadas, e com respectivo uniforme". Como seria este uniforme? A obrigatoriedade do seu uso no exterior provavelmente serviria como uma marca estigmatizante e adivinha-se, intui-se, que os mais afoitos daquele tempo deveriam arranjar maneira de contornar esta imposição chegados á rua. A vida na instituição regia-se por seis toques de "sineta", de que resta ainda hoje uma na chamada sala de convívio contígua ao refeitório, que anuncia o jantar e o pequeno-almoço (ás 19 h e 7 da manhã respetivamente): "Os albergados deverão obedecer rigorosamente aos seis toques de sineta, que serão os seguintes: 1º Levantar; 2º - Café; 3º- Jantar; 4º -Ceia; 5º - Deitar; 6º - Silêncio."Finalmente a alínea dois do artigo 7 diz-nos que os albergados devem " Guardar silêncio durante as refeições"


RECONHECIMENTO

Nada move tanto o ser humano como a necessidade de reconhecimento. O que vale a minha vida? O quê ou quem lhe dá sentido? Vale para quê e para quem? Quem lhe dá valor? Quem me reconhece? De muitos modos e por múltiplas vias, pela violência e pela paz, pelo amor e pelo ódio, por caminhos estreitos e grandezas sublimes, são estas perguntas que querem ver-se respondidas.

Anselmo Borges

LOGOTIPO

Desde que a equipa técnica mudou em 2006 começou-se a sentir a necessidade de um logotipo que distinguisse o albergue. O nome oficial é muito extenso: Associação dos Albergues Nocturnos de Lisboa. Pressentindo isto, esta falta, o nosso animador resolveu meter mãos à obra e criou em 2010 este logotipo. Nele pretende-se a sugestão de dois telhados a reenviar não só para a ideia de tecto/ guarida mas também para o plural da palavra albergue. As cores vermelhas são uma alusão às características e antigas cores vermelhas das nossas telhas. Ao centro um rectângulo que é uma porta, uma entrada de um azul quase verde. Estava dada a ideia de casa associando-a a duas cores que dominam o albergue: os azuis dos muitos azulejos que a casa tem e o verde do nosso portão de entrada. A cor verde de alguma forma também anuncia um jardim e uma horta. Esperança? Atravessando os telhados uma sugestão de viga suporte da casa    que também pode ser interpretado como um raio de força que tenta enviar-nos para cima. O sentido é ascendente. Este logotipo foi levado à direção que o aprovou e agora já faz parte da nossa imagem oficial.

TUDO AO TRONCÁRIO

Em 2010 a TAP cedeu-nos cacifos que, depois de restaurados  e pintados, substituiram os velhos e pequenos armários que tinhamos na casa. Em 2016 as camaratas foram pintadas de fresco e adquirimos camas novas.

O Tony, ou António Carvalho. Corria o ano de 2007 e sem pestanejar quis e fez acontecer um dos grandes momentos na história mais recente do albergue . Foi de uma generosidade e loucura sem igual. Tinha alma rara. Ainda não havia facebook. Era Janeiro. Não era Natal. Juntou a sua trupe, o Teatro de Objectos, de Almada para Lisboa, e levou-nos a peça "Tudo ao Troncário" do Millôr Fernandes. Fica aqui a nossa homenagem ao Tony que já não está entre nós e o nosso muito obrigado a ele e ao restante elenco que com ele se deslocou à nossa casa. Bibi Gomes, a Luzia Paramés, o Paulo Guerreiro e o Rui Cerveira. Foi uma noite muito boa cheia de risos a seguir ao jantar.







E de repente, gesto a gesto, o Adamastor transforma-se em Cabo da Boa Esperança. Obrigado a todos e a todas que meteram e metem mãos, pés, cabeça e coração ajudando-nos a chegar ao que somos hoje. Ainda falta muito por ser, muito por fazer mas todos estes gestos são como um pequeno farol feito de entusiasmo e afetos. Animam-nos. São estas luzes que precisamos todos para não naufragar. Obrigado.